Sentei-me no topo de Lisboa, alto da Graça, debruçado sobre a massa de telhados e o despenteio das antenas que se estende até ao Tejo. Contemplei o fim de tarde que se abatia sobre a cidade. Preparei o bongo e com o maçarico ateei a Salvia aglomerada no cachimbo, inalando o fumo e fixando o tição incandescente que se iluminava. Guardei o fumo nos pulmões, pouco mudou. Apenas no fim aquele vibrar universal que me garante que ao segundo bafo ia partir. Expeli o fumo e prontamente voltei a atiçar a erva no cachimbo, enquanto, agora com força redobrada, forçava o fumo a invadir-me o peito novamente. Expeli o ar, passei o bongo e debrucei-me sobre o parapeito.
Foi aí então que, vinda de trás, uma força me firmou pela cintura puxando-me abruptamente para outro lugar. Durante um momento foi o vazio, sem formas, sem sons, sem tempo, sem mim. Depois então voltei um pouco a mim, mas já nesse outro mundo. O meu corpo abriu-se como um leque, segmentando-me verticalmente da esquerda para a direita, em fino filamentos, mas ao invés de um leque não parou de se abrir. Acompanhado de um silvar constante, eu rodava sobre o eixo dos meus pés, como que os carretos de uma bicicleta, sem parar, desmultiplicando-me. E formou-se o primeiro pensamento. Ao ver-me assim, conclui que eu sempre tinha sido aquilo, um mecanismo eternamente em rotação numa qualquer dimensão paralela, senti realmente a eternidade a pesar-me como que vivida e experienciada. Depois, não sei bem como ,conclui que não... Eu era sim um estore, o estore daquela sala, obviamente! E toda aquela força centrifuga sentida pela rotação eterna era então, apenas, a força que eu combatia para voltar ao mundo dos meus. Talvez por agora poder ouvir-lhes a voz, tentava em desespero escapar à agonia de nunca ter existido, de ter sido tudo apenas uma espécie de sonho que se iria agora acabar votando-me à imaterialidade própria das coisas imateriais.
Depois, ao fim de um tempo que não sei precisar, a minha mente concluiu que todo aquele caos que girava à minha volta, aquelas vozes que agora começavam a penetrar no universo onde eu estava, tinham como causa uma tragédia. Eu tinha caído da janela! Algo tinha corrido terrivelmente mal durante a trip e eu tinha-me lançado da janela, estando agora na rua prostrado e incapaz de compreender que estava prestes a morrer. Sentia uma massa de braços, como se um corpo só unisse todos os corpos que me rodeavam enquanto caleidoscópicos
padrões de telhas se agitavam no fundo da minha mente, a tentar puxar-me para a vida. Senti uma tristeza sem fim, acreditava plenamente que nunca mais iria voltar a ver as pessoas que eu amava, que qualquer momento chegaria a ambulância ou simplesmente que acabaria por morrer ali, estendido no passeio da rua. Cada vez mais próximo, tentava compreender o que diziam as vozes
à minha volta, procurava uma pista para compreender quão grave era a situação... já não podia mais, a força centrifuga era forte de mais para lutar, o esforço mental para voltar à vida era grande de mais e eu impotente para lhe fazer frente. Lembro-me de me tornar mais sereno, como que me deixando cair no sentido da força sem resistir, pronto a morrer.
Voltei a mim frente à porta da cozinha, a ligar a luz. Ouvi uma voz, não sei se de fora para dentro ou de dentro para fora, a gritar - NÃO! Mas liguei a luz à mesma, e o vazio do espaço físico foi devorado pela brancura florescente da luz, deixando durante um ou dois segundos ainda um muco negro que se diluiu rapidamente.
domingo, 13 de julho de 2008
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