domingo, 13 de julho de 2008

Salvia Divinorum II

Sentei-me no topo de Lisboa, alto da Graça, debruçado sobre a massa de telhados e o despenteio das antenas que se estende até ao Tejo. Contemplei o fim de tarde que se abatia sobre a cidade. Preparei o bongo e com o maçarico ateei a Salvia aglomerada no cachimbo, inalando o fumo e fixando o tição incandescente que se iluminava. Guardei o fumo nos pulmões, pouco mudou. Apenas no fim aquele vibrar universal que me garante que ao segundo bafo ia partir. Expeli o fumo e prontamente voltei a atiçar a erva no cachimbo, enquanto, agora com força redobrada, forçava o fumo a invadir-me o peito novamente. Expeli o ar, passei o bongo e debrucei-me sobre o parapeito.

Foi aí então que, vinda de trás, uma força me firmou pela cintura puxando-me abruptamente para outro lugar. Durante um momento foi o vazio, sem formas, sem sons, sem tempo, sem mim. Depois então voltei um pouco a mim, mas já nesse outro mundo. O meu corpo abriu-se como um leque, segmentando-me verticalmente da esquerda para a direita, em fino filamentos, mas ao invés de um leque não parou de se abrir. Acompanhado de um silvar constante, eu rodava sobre o eixo dos meus pés, como que os carretos de uma bicicleta, sem parar, desmultiplicando-me. E formou-se o primeiro pensamento. Ao ver-me assim, conclui que eu sempre tinha sido aquilo, um mecanismo eternamente em rotação numa qualquer dimensão paralela, senti realmente a eternidade a pesar-me como que vivida e experienciada. Depois, não sei bem como ,conclui que não... Eu era sim um estore, o estore daquela sala, obviamente! E toda aquela força centrifuga sentida pela rotação eterna era então, apenas, a força que eu combatia para voltar ao mundo dos meus. Talvez por agora poder ouvir-lhes a voz, tentava em desespero escapar à agonia de nunca ter existido, de ter sido tudo apenas uma espécie de sonho que se iria agora acabar votando-me à imaterialidade própria das coisas imateriais.
Depois, ao fim de um tempo que não sei precisar, a minha mente concluiu que todo aquele caos que girava à minha volta, aquelas vozes que agora começavam a penetrar no universo onde eu estava, tinham como causa uma tragédia. Eu tinha caído da janela! Algo tinha corrido terrivelmente mal durante a trip e eu tinha-me lançado da janela, estando agora na rua prostrado e incapaz de compreender que estava prestes a morrer. Sentia uma massa de braços, como se um corpo só unisse todos os corpos que me rodeavam enquanto caleidoscópicos
padrões de telhas se agitavam no fundo da minha mente, a tentar puxar-me para a vida. Senti uma tristeza sem fim, acreditava plenamente que nunca mais iria voltar a ver as pessoas que eu amava, que qualquer momento chegaria a ambulância ou simplesmente que acabaria por morrer ali, estendido no passeio da rua. Cada vez mais próximo, tentava compreender o que diziam as vozes
à minha volta, procurava uma pista para compreender quão grave era a situação... já não podia mais, a força centrifuga era forte de mais para lutar, o esforço mental para voltar à vida era grande de mais e eu impotente para lhe fazer frente. Lembro-me de me tornar mais sereno, como que me deixando cair no sentido da força sem resistir, pronto a morrer.

Voltei a mim frente à porta da cozinha, a ligar a luz. Ouvi uma voz, não sei se de fora para dentro ou de dentro para fora, a gritar - NÃO! Mas liguei a luz à mesma, e o vazio do espaço físico foi devorado pela brancura florescente da luz, deixando durante um ou dois segundos ainda um muco negro que se diluiu rapidamente.